Friday, May 24, 2013

A propósito do simples nome de uma serra

Mini-Estudo
A propósito do nome de uma serra e de um manuscrito do séc. XVIII

Originalmente escrito para 'Capeia Arraiana'


Serra d’ Opa ou do Pá?


Volto a um tema que me dá a volta ao miolo: afinal qual é o nome da nossa Serra? Serra Dopa, d’ Opa ou do Pá?
Isto hoje vem a propósito porque recentemente José Carlos Lages nos trouxe outra vez a dúvida, não por via dele mesmo, mas da Torre do Tombo. Portanto, ao defender a minha dama, estou a bater na Torre do Tombo e não no cronista JCL.
Vamos então a esse debate.


Hoje trago uma daquelas coisas mesmo chatas para quem não aprecia. Esses leitores, e com a sua razão, até vão achar que isto é só «para armar ao pingarelho», como se costuma dizer.
No entanto, apesar desse risco de parecer «snob», arrisco. Porque vale a pena discutir estas coisas, ao menos uma vez.

O que vem aqui à liça é o verdadeiro nome da serra que separa o Casteleiro do Vale da Senhora da Póvoa:
Serra Dopa, Serra d’ Opa ou Serra do Pá? 
Já todos vimos essas três fórmulas escritas.
E cada um defende a sua dama.
Hoje chegou a minha vez.

Tudo isto vem na sequência de duas presenças da Serra, há pouco tempo, na net: uma mais recente, no ‘Capeia’, pela mão de José Carlos Lages (ver aqui); outra pela mão de António Marques, no ‘Viver Casteleiro’ (ver aqui).
Estas duas peças versam exactamente o mesmo: as memórias paroquiais, os censos do tempo do Marquês, sobre cujo «percurso» (das respostas dos padres de todo o País) já disse o que penso num comentário à peça de JCL acima referida e linkada.

A caligrafia do Padre Leal

O escrito mais antigo que se pensa ter em português com o nome da Serra é o dos Censos de 1758, atrás referenciado.
Mas não sabemos se há textos latinos referentes à mesma Serra.
Talvez até haja. Penso que há.
Porque, ao que me parece, a Serra d’Opa teve muita importância no tempo dos romanos, como adiante pode ler.

Voltando ao padre Leal.
Em defesa do que penso, dei-me ao trabalho de assinalar a vermelho numa imagem e na linha em que me parece mais clara a escrita complicada (mesmo para a época) deste padre, o Cura Leal, do Casteleiro.
Assim, nessa linha está o seguinte:
«da Do pa» etc., da frase «Quazi no meio da Serra chamada do Pá, está a Ermida» etc.
Ver em baixo imagem 5. 

A adulteração feita em Lisboa

Cabe aqui, uma crítica aos escribas da Torre do Tombo: foram tão minuciosos nalgumas coisas (exemplo: o Padre escreveu «assima» com dois esses em vez de «acima» com c, e eles chaparam com isso no texto), mas aqui, onde o Padre pôs «Do pa», eles, por sua conta e risco, adulteraram tudo e escreveram «do Pá». Veja bem as diferenças: maiúsculas, minúsculas e acento…
Eu não entendo isto.
E por outro lado, eles, lá longe em Lisboa, imaginavam lá o que é que o Povo chamava à Serra e o que teria escrito o Padre…
Para perceber bem as voltas que este texto deu, leia o que escrevi comentário à peça de JCL acima referida e linkada (desculpem-me o uso dos estrangeirismos da informática – mas como me faria entender de outro modo?).

Não é masculino e falta o acento, senhores

Penso o seguinte, depois de muito olhar e comparar:
1º - O Cura Leal não põe acento no a do nome da Serra: não escreve pá mas pa;
2º - Na sua escrita (caligrafia) nada simples, o Cura escreve separado o que queria escrever junto parece estar lá Do pa, mas acho que ele queria escrever Dopa. Ou seja: ele queria escrever o que ouvia aos habitantes da terra: ouvia eles dizerem Dopa. Mas hoje sabemos que as serras têm por norma a preposição de: Serra dos Candeeiros, Serra da Estrela, Serra de Sintra… Portanto: Serra de Opa – Serra d’ Opa.

Note, leitor, que o Padre Leal escreve sempre o que parece serem duas palavras Do pa.. Mas então aos gulosos que já estão a dizer:
- Pois, é porque o nome da serra é Pá.
… a esses eu pergunto tão somente:
- Mas se para o Padre o nome da serra é Pá, por que é que escreve com minúscula essa palavra enquanto escreve com maiúscula o Do?
Ou seja: penso que para o Padre Leal o nome era mesmo Dopa.
Só que ele estava equivocado, julgo.
O Povo dizia assim, o som era esse de facto, mas a preposição «de» fazia a elisão com o nome da Serra: Opa. Dizia-se Dopa, mas devia escrever-se d’ Opa (de Opa), repito..

Estudo simples comparativo

Em suma:
1. O Cura não põe acento na palavra pa; 2. O Cura escreve pa com minúscula; 3. O Cura saberia apesar de tudo (à época, em geral os padres eram muito incultos, disso não há dúvida), mas saberia que Pá seria uma palavra feminina. E então seria Serra da Pá e não Serra do Pá…
Tudo isso, porque o nome do monte é Serra d’ Opa e não outro.

Quem tiver gosto, pode ver um estudo simples comparativo que deixo aí em baixo, com ampliações de cada uma das linhas em que o Cura Leal escreveu o nome da Serra nas respostas que deu ao Marquês. Ali encontrará assinalada a vermelho (ponto 5) a mesma linha referida neste texto – aquela em que o Cura escreveu de modo mais legível o nome da Serra, ou aquela em que os efeitos do tempo e maus tratos nos deixam ler melhor.

E os opidanos?

Mas há mais um argumento em defesa da minha tese:
Vamos imaginar que seria Serra do Pá.
Do, repito. Contracção da preposição de e do artigo definido o – lembram-se? Artigo definido esse que está no masculino.
Muito bem.
Então quem defende que a serra se chamava Serra do Pá venha a terreiro dizer-me qual é esse substantivo masculina Pá e o que significa.

Em reforço da minha tese, pergunto, mais uma vez, como já antes pude escrever:
- Não será que os opidanos (ou opidendeses) do tempo dos romanos e não será que o nome da localidade fortificada que era Lancia Opidana (Vale de Lobo, hoje Vale da Senhora da Póvoa), não será que essa designação latina era uma homenagem ao nome da serra mais importante a separar aqueles vales que se estendem de um lado (até Caria) e do outro (até à Meimoa)?

Sobre estes aspectos, já escrevi algumas peças fundamentadas. Uma delas pode ser lida aqui, por exemplo.





Estudo comparativo
Duas das páginas das respostas do Cura do Casteleiro ao Marquês de Pombal, sobre o tema «Serra».
Nestas páginas, o Padre escreve 5 vezes o nome desta serra.
A comparação das imagens permite algumas conclusões.


1
... em cujo lemite estão huma chamada a Serra do Pá, e outra a Serra da Preza.







2
Esta, chamada Serra do Pá, tem de comprimento duas legoas e de largura meia legoa; principia no lemite do Lugar da Moita...







3
Da Serra chamada do Pá, nasce hum pequeno Ribeiro; e a este chamam o Ribeiro de Val de Cazeloins...








4
A Serra chamada do Pá se cultiva com searas de centeio, de hum e outro lado a meia ladeira.








5
Quazi no meio da Serra chamada do Pá, está a Ermida de Sancta Anna,




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Imagem e texto das duas página do manuscrito



Texto dessas páginas do manuscrito
Transposição da Torre do Tombo

SERRA
1 – O Lugar do Castelleiro está fundado em hum valle, como assima se declara, em cujo lemite estão huma chamada a Serra do Pá, e outra a Serra da Preza.
2 – Esta, chamada Serra do Pá, tem de comprimento duas legoas e de largura meia legoa; principia no lemite do Lugar da Moita, em o sitio da Cabeça Gorda, e acaba em o sitio que chamam Sam Dinis, no lemite do Lugar chamado Benquerença, distante deste povo duas legoas. E a Serra chamada da Preza terá de comprimento huma legoa e de largura quazi o mesmo; principia no lemite deste Lugar e acaba no lemite do Lugar chamado Escarigo, distante deste Lugar legoa e meia. Correm estas
Serras de Norte a Sul.
4 – Da Serra chamada do Pá, nasce hum pequeno Ribeiro; e a este chamam o Ribeiro de Val de Cazeloins, e logo se mete em huma Ribeira que corre ao pé do povo; e este Ribeiro da Serra do Pá corre do Nascente para o Poente. Da Serra chamada da Preza nasce outro pequeno Ribeiro chamado de Cantalegalho, e também se mete na mesma Ríbeira. Da Serra nasce outro pequeno Ribeiro, que passa ao pé da Quinta do Espirito
Santo, e Corre também para a mesma Ribeira; e este Ribeiro se mete nella aonde chamam o sitio Guaracoins, e aquelle no sitio chamado Tinte; e estes ambos correm do Poente para o Nascente, e tudo está no lemite deste Lugar.
8 – A Serra chamada do Pá se cultiva com searas de centeio, de hum e outro lado a meia ladeira. E a Serra chamada da Preza se cultiva com searas também de centeio em todo o cimo e em todos os lados della, e o mais nada.
9 – Quazi no meio da Serra chamada do Pá, está a Ermida de Sancta Anna, assima declarada, e somente os moradores do mesmo povo custumam hir em romagem algumas vezes.
10 – O temperamento destas duas Serras assima declaradas, he frio, mas saudavel.
11 – Cria-se nas taes duas Serras gado meudo, e caça, coelhos e perdizes.
12 – Nesta Serra chamada Preza, acha-se em todo o meio os aIicerces de huma grande preza, que ali houve antigamente, donde a
Serra tomou o nome de Serra da Preza; e agora desta Preza, se conta, a queriam em tempos antigos levar por canos aonde chamam a Torre dos Namorados, distante della quatro ou sinco legoas; e nesta mesma Serra, há huma Crux, quéchamam da Relva Velha, para a parte do Lugar chamado Escarigo, tem a Mitra duas partes em todos os fructos, e a Comenda huma.
13 – E da mesma Crux, para a parte do mesmo Lugar do Castelleiro, terá a Comenda duas partes, e a Mitra huma, em todos os fructos.


Transposição «modernizada» feita em 'Viver Casteleiro':



Serra
1-O Lugar do Casteleiro está fundado num vale como acima se declara, em cujo limite se acham uma chamada a Serra d’Opa e outra a Serra da Preza.
2-Esta chamada Serra d’Opa tem de comprimento quase duas léguas e de largura meia légua. Principia no limite do lugar da Moita no sítio da Cabeça Gorda e acaba num sítio que chamam Sam Dinis no limite do lugar chamado Benquerença, distante deste povo duas léguas. E a Serra chamada Serra da Preza terá de comprimento uma légua e de largura quase o mesmo. Principia no limite deste lugar e acaba no limite do lugar chamado Escarigo, distante deste lugar légua e meia. Correm ambas estas serras de norte a sul.
3-Nada
4-Da serra chamada d’Opa nasce um pequeno ribeiro e a este chamam o Ribeiro de Val de Casteloins e logo se mete numa ribeira que corre ao pé do povo e este ribeiro da serra d’Opa corre de nascente para o poente. Da serra chamada da Preza nasce outro pequeno ribeiro que passa ao pé da Quinta do Espírito Santo e corre também para a mesma ribeira. E este ribeiro se mete nela onde chamam o sítio Guaralhais e aquele no sítio chamado Tinte e estes ambos correm do poente para o nascente e tudo está no limite deste lugar.
5-Nada
6-Nada
7-Nada
8-A serra chamada d’Opa se cultiva com searas de centeio, de um e outro lado a meia ladeira e a serra chamada de Preza se cultiva com searas também de centeio em todo o ano e em todos os lados dela, e o mais nada.
9-Quase no meio da serra chama d’Opa está a Ermida da Sancta Anna, acima já declarada, e somente os moradores do mesmo povo costumam ir lá em romagem algumas vezes.
10-O temperamento destas duas serras acima declaradas é frio mas saudável.

11-Criam-se nestas duas serras gado miúdo e caça de coelhos e perdizes.


AS PERGUNTAS
Se quiser conhecer também o questionário enviado por Lisboa a todos os padres do País, aceda aqui.

AS RESPOSTAS
Se quiser conhecer as respostas de todas as Freguesias deste Concelho, na versão Torre do Tombo, aceda aqui.

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